terça-feira, 24 de agosto de 2010

"...que fosse pura como esse sorriso."

A última crônica- Fernando Sabino


A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso."

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O tal laço.

O livro "The Problem Of Pain" fala um pouco sobre esse laço, e eu concordo.

Eu tenho preferência por algumas músicas específicas, cores, cheiros, sabores, livros, filmes, lugares, paisagens, imagens, sensações, conversas, lembranças, épocas, temperaturas, pensamentos, objetos...

Só que essa tal especificidade é como um laço invisível que eu não sei explicar. E se eu me aventuro, é bem possível que não faça o menor sentido pra alguém além de mim. Eu só sei sentir mesmo.

Mas..."O que eu não sei dizer é mais importante do que eu digo."

Essa música, por exemplo, me faz dançar. Pelo menos por dentro.


quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Nova estação.

     

     Em breve começa a Primavera.
Isso me faz lembrar de uma dia na escola, acho que eu estava na oitava série, ou algo próximo daí, e fiquei sabendo a hora exata em que entraríamos na Primavera. Então resolvi colocar meu celular pra despertar e planejei falar bem alto algo do tipo "Estamos na primaveraaaa".
    Pois é, eu sempre quis fazer essas coisas meio sem propósito pelo simples prazer de... fazer rsrs. Mas o fato é que, quando despertou, eu não ouvi porque a classe, como sempre, estava barulhenta. Aquela foi mais uma primavera normal e a vida seguiu.

    Mas em todo caso a Primavera tem aquela coisa de ser a estação das flores, perfumes e ter aquela temperatura agradável (pelo menos isso era assim quando o mundo ainda não estava nessa revolta climática) e, sei lá... deve ser por isso que à ligam a coisas mais românticas, não que faça algum sentido também, mas fazer o que.
  No meu devocionário de bolso do C.S Lewis, Agosto é um mês cheio de textos que falam sobre os sentimentos dele em relação a morte da esposa e também sobre paixão, amor e questões do gênero. Se fosse em Setembro, diria que a Primavera tem algo a ver com isso. Vejo, portanto, que não conseguirei esquivar-me por muito tempo, não que o deva fazer, é claro... mas sabe como é né, as vezes é difícil resistir a esquivar-se.                                                
De qualquer forma, aqui vai um dos pedacinhos que eu mais gostei até agora. 

Continuar apaixonado

    "Se a velha fórmula do final dos contos de fada ' e viveram felizes para sempre' for entendida como 'e nos próximos cinquenta anos seguintes eles se sentiram exatamente da mesma forma como se sentiram um dia antes do casamento', então ela está dizendo algo que provavelmente nunca foi e nunca será verdade, e que , inclusive, seria altamente indesejável se o fosse. Quem suportaria viver nessa excitação toda por cinco anos? O que seria do seu trabalho, do seu apetite, do seu sono, das suas amizades? Mas, é claro, deixar de 'estar apaixonado' não significa necessariamente deixar de amar. O amor, nesse segundo sentido- o amor como algo diferente de 'estar apaixonado'- não é um simples sentimento. Trata- se de uma unidade profunda, alimentada pela vontade deliberadamente fortalecida pelo hábito; reforçada (nos casamentos cristãos) pela graça que ambos os parceiros pedem e recebem de Deus. os cônjuges podem alimentar esse tipo de amor um pelo outro mesmo naqueles momentos em que não se gostam; assim como você se ama, mesmo quando não gosta de si(...) o 'estar apaixonado' os levou a jurar fidelidade; esse outro amor mais calmo os capacita a cumprir a promessa. É esse amor que mantém a máquina do casamento ativa; o estar apaixonado foi a ignição que lhe deu partida."

C.S Lewis.

"Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende(...)Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul."

Cecília Meireles - Primavera.

Beijork

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Nonsense ?!?!




Eu gosto de rir...

Eu posso pensar, no mínimo, em 6 situações em que eu costumo dar risada. 
     A primeira delas é quando acho alguma coisa realmente engraçada, pode parecer estranho, mas essa não é a situação em que aparece aquele riso incontido. 
     A segunda delas é quando acontece alguma coisa engraçadinha ou até aparentemente sem graça para a maioria, mas que me ajuda a montar uma cena hilária na cabeça. É nessa hora que aparece o meu tal riso incontido, meu deleite das horas vagas... e ocupadas também.
     A terceira delas é quando penso que devo rir por conveniência; para não frustrar a expectiva de alguém. Essa, porém não é muuito frequente, tendo em vista que facilmente acho graça das coisas.
     A quarta situação é o riso "maria vai com as outras". Ao ver as pessoas rindo sinto uma vontade automática de rir junto, e quanto maior e melhor é a gargalhada, mais eu gargalho também.
     A quinta é simplesmente desesperadora e atualmente acontece quando estou em aulas ou em viagens de trens com certas pessoas que parecem ter o dom de te mostrar ou falar algo quando não se pode rir de jeito nenhum. Aí é um tal de abaixar a cabeça, esconder o rosto, fazer uns grunhidos estranhos com o firme propósito de conter o impulso. Perigo é estourar uma veia nessa brincadeira de ter que se segurar.
     E a sexta, e mais terrível, é quando eu fico sem graça, ou sem ter o que fazer. É um riso ruim, de quem não tem pra onde correr, não tem expressão pra fazer e muito menos algo que preste pra falar.
     Um exemplo desse último flagelo é quando alguém me encara no trem. Não que isso aconteça sempre, mas não é preciso que algo aconteça sempre pra gente não gostar, não é mesmo?!
     A pessoa olha pra minha cara e eu vejo. Aí resolvo desviar o olhar. Tempos depois, dou uma olhadinha de rabo de olho e descubro que a pessoa continua olhando fixamente para a minha face. 
     Aí lá vem ela, aquela super vontade de rir, mas não posso porque sabe se lá quem é o bendito que teima em me observar! Coisa chata.

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Algumas vezes os textos da faculdade são tão chatos e inteligíveis que eu começo a pular palavras... depois passo a pular frases inteiras, logo depois pulo parágrafos e quem sabe até páginas inteiras.
     Ao final descubro que gastei tempo só passando os olhos por cima das palavras e escolhendo quais eu deveria ler. E se quero entender alguma coisa, tenho que ter o trabalho de recomeçar tudo outra vez.
    Agora você vem e me pergunta (ok, você não quer perguntar nada, mas suponhamos que você queira...): Sarah, se você sabe que vai ter q ler de novo pra entender, porque não lê direito na primeira vez?
    E eu te respondo: Não sei.

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Bjorks.

sábado, 14 de agosto de 2010

Pertencer

"Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente, a criança quer: nela o ser humano, no berço mesmo, já começou.
Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.
Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus.
Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso.
Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro.
Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.
Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força - eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.
Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida.
No entanto fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram por eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança.
Mas eu, eu não me perdôo. Quereria que simplesmente se tivesse feito um milagre: eu nascer e curar minha mãe. Então, sim: eu teria pertencido a meu pai e a minha mãe. Eu nem podia confiar a alguém essa espécie de solidão de não pertencer porque, como desertor, eu tinha o segredo da fuga que por vergonha não podia ser conhecido.
A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho!"



Clarice Lispector


"Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna."  Jesus - Jo 4:14 


Achei a quem pertencer.

1,2,3 eee... Já!

      E cá estou eu novamente tentando guardar de alguma forma um pouco de mim. Não vou dizer que as pessoas têm necessidade disso, porque, Santo Deus, as pessoas são tão diferentes e complexas... mas vou dizer que eu as vezes tenho essa necessidade.
      Há quem diga ser "a palavra a morte da coisa" mas seja lá o que queiram dizer com isso,(Porque, nossa vida!!! As vezes as pessoas querem dizer tantas coisas) as minhas experiências mostram o contrário.

     Mas isso tudo é só pra tentar explicar de uma forma meio que "bonita" porque eu estou me enfiando em mais uma rede social.

     :]